Felipe de Carolis

Felipe de Carolis, ator e produtor, é do Rio de Janeiro (RJ).

Você é um cara que gosta muito de estudar, né?
Muito! Aliás, agora eu gostaria de parar a vida para fazer Mestrado. Uma das coisas que mais gosto é me sentir ignorante, mas diante de pessoas, entidades e estruturas nas quais eu confie! Por isso que fui fazer turnê de “Beatles Num Céu de Diamantes” e, enquanto todo mundo saía para conhecer as cidades, eu ia para casa escrever roteiros, ganhar grana e pagar os direitos autorais de “Incêndios”. Isso porque eu queria estar com pessoas que admirava muito. Óbvio que há um privilégio no que vou falar, mas escolher com quem você vai trabalhar é uma coisa muito importante, porque você passará vários meses (e de maneira muito exposta) com pessoas que não conhece.

De fato ter essa oportunidade é meio difícil.
Ah, sim, só quando você se produz ou se envolve em um projeto com pessoas de quem você é amigo ou gosta muito. Fora a galera que dá muita sorte na vida – eu não acho que fui atravessado pela sorte ainda, mas se Deus quiser vou ser. (Risos) Imagina quando fui fazer “Incêndios” se todos que eu admirava não fossem pessoas “físicas” admiráveis? Porque além de artistas, hoje posso dizer que os amo muito, mas eu podia ter quebrado a cara, a convivência poderia ter sido um inferno, eles poderiam não querer conviver comigo, não me ensinar coisas da vida pessoal e da carreira deles…

Você se formou em duas faculdades, certo?
Sim! Em Cinema e depois em Artes Dramáticas. Tudo na PUC-Rio.

Você começou criança. Houve um gap ou o trabalho como ator e o relacionamento com arte foram acontecendo de uma forma ou de outra?
Comecei criança e não fazia o menor sentido eu ser ator, não tenho nenhum artista na família. O meu pai é economista e também é da AFA, a Academia da Força Aérea. São todos militares, meu pai, meu avô, meu bisavô e meu tataravô, que, aliás, era holandês. Todos se chamam Ajax. Eu deveria me chamar Ajax também – foram colocar Felipe, né? Resultado: ator! (Risos) Comecei a fazer Tablado aos oito anos por insistir muito, na real porque a minha irmã fazia balé. Um dia fui assistir e, segundo minha mãe, comecei a imitá-la durante a apresentação de fim de ano, fiquei no meio da plateia imitando! Meu pai e meu avô quiseram morrer, imagina um garoto dançando balé? Mas minha mãe topou me colocar no teatro.

Quando fiz 12 ou 13 anos, meu pai quis que eu parasse. Eu estudava em um colégio super tradicional, em que os alunos, com 12 anos, já começavam a ter aulas aos sábados. Um estilo de escola onde todo mundo vira médico e engenheiro, no máximo advogado – e sofre bullying! (Risos) E eu então, artista? Foi nesse período que fiz a minha primeira peça profissional. O meu pai não queria que eu fizesse e minha mãe me deixou fazer escondido! Guerreira. Os dois brigaram muito por minha causa. (Risos) Foi o primeiro dinheirinho que ganhei e, então, comecei a fazer várias coisas que me davam um trocadinho. Fiz vestibular aos 16 anos e meu pai bateu esse papo comigo, disse que, se eu fosse médico ou dentista ele poderia me ajudar, mas se fosse fazer Artes Cênicas ele não faria nada por mim, “nem tenho como, nem vou fazer”. Eu até entendo, não condeno mais nada, já passei por esse processo de pensar que foi um inferno, que poderia ter sido mais legal, hoje já conquistei o respeito dele e do meu avô também, mas ter sido independente financeiramente muito cedo fez esse respeito chegar de forma mais fluida. Quem com 16 anos consegue comprar suas coisas todas? Enfim. Foi tudo se encaixando! E eu pensei que seria muito bom fazer Cinema, sou apaixonado por isso e entenderia o que os meus diretores pensariam na hora de gravar… Realmente foi isso, né. Então hoje, quando estou fazendo uma série e alguém para pra mudar uma lente, por exemplo, ninguém precisa me avisar que o próximo plano vai ser close.

Que legal. Deve facilitar muito!
Facilita. Mas é claro que, quando não sei, pergunto. Quando comecei a fazer coisas com câmera, ficava em pânico de perguntar, não sabia se podia! Aí fui mudando, entendendo um pouco mais. Mas tudo vai com tempo, assim como nos musicais, com o tempo você se sente bem em falar para o diretor musical que aquela tal nota não timbra bem para você, se tem como fazer outra coisa…

Musicais sempre te interessaram ou você foi entrando neste mundo aos poucos?
Sempre fui muito encantado por musicais, gosto muito. Principalmente da maneira como os americanos e os britânicos sabem fazer e da pluralidade que eles têm, porque fazem os clássicos e também os modernos e propõem experimentações com uma qualidade… Fiz intercâmbio em Oxford e foi em Londres que vi “O Fantasma da Ópera” pela primeira vez. Achei incrível – hoje em dia já não tenho o menor saco. (Risos) Acho que existem outros espetáculos mais interessantes, como partitura não me chama mais.

Tenho convivido com muita gente que tem uma relação de paixão com musicais. Você tem uma boa experiência nisso, pelo menos 10 anos. É uma linguagem que ainda te atrai?
Sim, muito. Mas hoje em dia não tenho mais vontade de fazer franquias, que já fiz. É óbvio que tudo o que falo pode mudar caso eu tenha que pagar a cirurgia de alguém que amo. Aí vou fazer, vou ficar lá, pelado, de cabeça para baixo! Mas, como artista, não compreendo o modo de fazer. Não sei porque a gente precisa trazer uma franquia que não te deixa mudar nada: tem que falar exatamente com a tônica deles, por exemplo. E quem vem dirigir é um diretor de fora. Você chega e fala para ele que tal frase não faz sentido, que se pronunciar de outro jeito talvez possa ficar engraçado, pede para experimentar e… não, não pode experimentar! Tem que fazer do jeito que um dia alguém criou, há 20 anos, na Inglaterra, com o sotaque deles – e acabou!

É por isso que enalteço tanto o trabalho aqui em São Paulo do Núcleo Experimental, com o Zé Henrique de Paula, que fez um “Urinal” brilhante e agora está com “Penso Todo Dia em Você” e “Senhor das Moscas”. Eu quero que o nosso teatro evolua, tenha identidade. É difícil ficar falando essas coisas porque tem muitos colegas que veem mal as coisas que falo, mas todo mundo sabe como eu penso. Acho muito injusto você pagar, sei lá, 500 mil dólares nos direitos autorais de uma produção, trazer para um teatro de dois mil lugares, fazer oito sessões por semana e pagar oito mil reais para o seu protagonista. Aí você fala: “Nossa, oito mil reais é dinheiro pra caralho!” Esse valor para uma pessoa que faz oito sessões por semana e que não tem como fazer mais nada – além de fisioterapia e dormir?

Não dá para partir do princípio que o público brasileiro é ignorante e que você vai trazer uma produção incrível, que vai maquiar tudo, porque traz tudo de fora, chegam até as perucas que as atrizes usaram há 20 anos (risos), e colocar uma galera super nova para segurar… eles não seguram. A gente vê isso sempre, um musical atrás do outro. Eu não quero falar mal, pelo contrário, quero falar bem: acho que a gente tem muita capacidade, muita gente boa e entendo os produtores quererem trazer coisas gigantes, que são garantia de sucesso, mas acho que isso tem que ser modificado, porque se a gente já compreende que dá para fazer oito sessões, por que não colocar algo incrível com atores incríveis e talvez original?

É basicamente não deixar virar linha de produção algo que é uma criação artística.
Muito obrigada, é isso. Fico muito agoniado: vejo os atores novinhos, de 16 anos, achando que o sucesso da carreira deles está no protagonismo de um musical em um grande teatro. Não está! Na verdade, o que é sucesso, né? É a manutenção da carreira de cada um, o que você quer ser, o que quer fazer, como fazer aquilo bem. Acho que a pessoa que mais deve ter emendado trabalhos nesses teatros aqui em São Paulo foi a Kiara Sasso, mas assim, gente, se você pensa que só essas grandes montagens são sinônimo de sucesso, você vai ser bem-sucedido por um ano e já entrará em decadência, né? Porque não dá para emendar grandes sucessos um atrás do outro! E se você imaginar que só tem um teatro que vai te fazer feliz no mundo… Tá doido?

Quem pensa em musical precisa encará-lo de forma original: as pessoas são capazes sim de pesquisar e conquistar o público! Quem era eu, Felipe de Carolis, com 20 anos, comprando uma peça, uma tragédia contemporânea – ninguém tinha ouvido falar em Wajdi Mouawad no Brasil. Eu cheguei lá, não tinha nada de especial, era só um garoto que queria mudar alguma coisa e mostrar que a gente era capaz de fazer no Rio de Janeiro uma tragédia dessas e, ao mesmo tempo, realizar um sonho meu profissional/pessoal, que era trabalhar com a Marieta [Severo] e com o Aderbal [Freire-Filho]. Então é muito possível formar plateias e públicos novos ou fazer a manutenção de quem já assiste a partir destas novidades. Poxa, “Incêndios” foi um fenômeno! Estamos há quatro anos em cartaz, é uma peça com 21 personagens, de duas horas e meia, sem intervalo, e as pessoas assistiam e voltavam, é uma peça dura, difícil… E ninguém confiou em mim, nenhum produtor queria se associar a mim. A gente precisa peitar, senão não tem mudança.

Mas quando você não tem a flexibilidade do macro – e posso dizer porque passo e passei por isso – é muito duro. Não sei de onde se tira força e fé para fazer, é todo mundo te dizendo “não” e todo mundo é mais experiente do que você. Cara, se você não fizer, não tem como saber se vai dar certo. E não acho que as franquias deveriam terminar, é melhor que tenha do que o teatro fechar e virar um centro de convenções, mas acho que devia ter, no mínimo, um pensamento de proporcionalidade: se a gente abre espaço para a cultura dos outros dessa forma e a estuda dessa forma, bicho, vamos dar uma força pra gente também? Para nós mesmo? E vamos pagar os salários que essas pessoas precisam e merecem? Não dá para fazer produções gigantescas com a sua matéria-prima desvalorizada. É um lugar em que as pessoas precisam ser muito boas, porque são muitos locais para acessar. Cara, e eu reverencio muito quem faz. Sou contra essa cultura da competição o tempo todo. A gente precisa torcer um pelo outro!

Você estava falando que não acha que foi acometido pela sorte ainda – mas você não é uma pessoa que precisa de sorte, você vai e faz.
Mas é doído, viu.

Eu sei que é, mas muitos não têm essa clareza de traçar objetivos e dar a cara a tapa e foda-se. A sua trajetória tem muito disso, como ator, produtor…
Tem momentos e momentos. É engraçado, nunca quis forçar as pessoas a lembrarem de mim ou do que eu fiz. Felizmente tem muita gente que ainda se lembra! Tenho a felicidade de as pessoas saberem quem sou na classe artística e reconhecerem as minhas unhas nas coisas que faço. E tem uma coisa que queria muito e já ouvi de gente que admiro, que é: “Já sei que, se você está, é porque deve ser bom”. Felizmente! Mas, claro, tem coisas que fiz muito na fé de que seria ótimo e não acho o resultado incrível, mas sempre quis que fosse. Nunca fui para algo só por dinheiro ou por status, de jeito nenhum. Até porque as coisas que faço nem esbarram nisso!

Você já fez muita TV?
Muita, não. Nunca fiz uma novela inteira. Já fiz dois meses de uma, três de outra, fiz séries, “Verdades Secretas” e agora o “Sob Pressão”. Vou fazer outra, mas, se eu falar, me demitem antes de começar! (Risos) Tenho uma vontade muito grande de ser melhor, isso faz com que eu queira estar com pessoas melhores do que eu! Em toda obra que entro quero colaborar e sair dela diferente, quero que me dê coisas. Entro para ser modificado. Não é simples, não é fácil ser aceito em transição, porque em todos os lugares aos quais chego, sou o cara que estava em outro lugar. Vou fazer uma série e ouço “ah, você não é aquele que fez ‘Rocky Horror Show’?”…

Mas você está em todos os lugares, vai. As linguagens artísticas todas te interessam muito, não é?
Muito, sei que parece bobeirinha, mas não é: há muito preconceito em cima disso, mesmo! Eu já me peguei, em minutos de uma conversa, pensando que precisava contar que tinha sido o idealizador de “Incêndios”, porque aí iriam me respeitar na hora, sabe? Buscando um respeito imediato que eu acho que não precisa! Cada um faz o caminho que dá, no nosso país não dá para todo mundo fazer a melhor faculdade de Artes Cênicas, ser da melhor companhia…

Uma vez eu estava trabalhando com a Marieta e fui fazer um outro trabalho audiovisual. Fui muito preconceituoso e não estava percebendo isso. Não dei chance para uma das pessoas que estavam lá comigo. E eu conversei sobre isso com a Marieta. Ela disse: “Phill, não importa agora como as pessoas chegaram. Se elas vão ficar ou não é outra história, não está na sua mão. Elas já estão lá, estão contratadas. Vá junto, lute para que seja o melhor para vocês todos.” De repente, era eu quem estava atrapalhando, sabe? Óbvio que não foi voluntário, mas a gente vai criando preconceitos, fazemos teatro “cabeça”, de pesquisa, passei por um processo de meses que, hoje, me permite falar muito bem sobre a Guerra do Líbano, sobre os conflitos que acontecem lá dentro… E posso falar porque fiz uma peça que eu produzi, fui na Globo News, contratamos uma pessoa deles que cuida de conflitos no Oriente Médio, ela fez uma oficina de um mês com a gente, fui a Paris, eu e a Marieta trouxemos de lá todos os livros da história do nosso autor, colocamos todo mundo para ler, estudamos árabe, fomos aprender. Depois de passar por um processo desses, é muito difícil chegar num de seis semanas e copiar um musical!

A minha vontade é de passar pelos “quatro lugares” – teatro musical, de pesquisa, televisão e cinema – de maneira digna, tentando mudar olhares. Eu quero ser grande, mas isso não se confunde com fama. Grande no que me disponho a fazer, não importa onde esteja.

Fotos: Carolina Vianna | Entrevista: Fernanda Meirelles

JULHO DE 2017

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