Mari Oliveira, nascida no Rio de Janeiro, é atriz e roteirista.

Você é atriz… no Brasil! Muito difícil, muito foda. Muito incrível! É um baita privilégio poder conseguir fazer. Apesar de todo drama, é um baita privilégio. Hoje, olhando pra sua carreira, pro seu trabalho, como você está se relacionando com essa escolha de vida? 

Com relação a ser atriz, acho que estou no meu melhor momento. Acabei de lançar uma série (“Dois Tempos”, no Star+), acabei de estrear o filme “Medusa”, tenho mais cinco coisas pra estrear esse ano. E isso é muito incomum, né? Mas, sendo realista e, principalmente, justa, não só com o que é ser ator no Brasil, mas com a minha atual condição pessoal, isso não significa que estou super bem-sucedida financeiramente e tenho uma estabilidade financeira ou que tenho a frequência que gostaria de trabalho. Hoje eu estou bem, estou num ótimo momento de estreias, mas ainda não estou na condição ideal que imaginei.

Claro que preciso ser justa e generosa comigo, com com os lugares que já acessei, com os trabalhos que já fiz e com tudo o que ainda está por vir, mas sou muito realista. Se eu fosse branca, por exemplo, não estaria passando por metade das dificuldades que passo, sabe? A minha frequência estaria ideal, eu estaria em outro lugar. Mas, em resumo, eu estou no meu melhor momento e preciso me lembrar disso o tempo inteiro, de que eu sou a exceção, sabe? Principalmente entre atores negros brasileiros e atrizes negras brasileiras, mas, ainda assim, não é uma condição ideal, e eu gosto de ficar me lembrando disso até para manter a minha ambição viva, para não me acomodar.

Como você pensaria em sugerir um caminho hoje a jovem que viesse falar pra você que quer trabalhar com arte?

É curioso, porque é muito diferente da época que eu comecei, trabalho com isso já tem dez anos e, na minha época, eu estava em grupos de Facebook de teste de elenco, me enfiava em absolutamente tudo o que tinha o meu perfil. Então eram coisas um pouco mais mais práticas e não tão incertas. Tem um teste, esse teste é público, eu envio meu material e eu tento. E hoje parece que, justamente por termos acesso a tanta coisa na internet, temos como fazer um filme com o celular e parece que, quanto mais acesso a gente tem, mais travado e mais difícil e misterioso vai ficando. Então hoje, quando as pessoas me perguntam “por onde eu começo, pra onde eu vou?”, sempre parto do princípio de que nunca é bom a gente fazer aquilo que faz só dentro do quarto, sabe? Hoje a gente tem o celular, que facilita 200% a nossa vida, então eu acho que um caminho muito bacana é você expor o seu trabalho. O que você sabe fazer? Como um ator hoje pode se colocar na internet? Porque não adianta fugir. A gente pode ter mil críticas, principalmente sobre como a internet consegue também invalidar algumas pessoas e a qualidade do nosso trabalho de certa forma, mas não tem pra onde fugir. Eu sempre aconselho que esteja na internet, mostre o que você sabe fazer. Isso pensando mais no caminho que eu escolhi pra mim, né? Pensando em audiovisual, não em teatro. Então atualize o seu material, faça suas fotos – eu fazia fotos na parede do meu quarto -, tenha o seu perfil atualizado, siga as pessoas convenientes para o que você quer fazer, as pessoas certas, os produtores de elenco, esteja envolvido. Acho que eu iria mais por aí. 

Você consegue olhar pra trás e pensar em um momento em que você teve muita convicção de que esse era o seu caminho? 

Sim! Eu comecei dançando, fui bailarina por doze anos e e quem me recomendou fazer teatro foi a minha professora de dança. E como eu não conseguiria fazer dança e teatro, parei de dançar. E eu odiei teatro! (Risos) Me senti extremamente exposta. Não tinha o menor interesse em uma plateia de trezentas, quatrocentas pessoas me olhando enquanto eu fazia alguma coisa. Ainda é uma situação muito angustiante pra mim, eu sou muito tímida.

No meio do processo de dançar, passei pra um concurso de dança do Disney Channel, fui gravar na Argentina e lembro que, até então, o meu sonho era trabalhar na Disney. Eu ficava escrevendo séries, escrevendo filmes e coisas que eu faria com os meus amigos, porque tudo que eu olhava na televisão, eu falava que conseguiria fazer se eu quisesse. Fui pra lá porque ganhei um concurso, um prêmio super sério, de melhor técnica. Eu tinha 14 anos, foi muito importante pra mim e, quando eu voltei de lá, percebi que tinha gostado dessa coisa de câmera. Me senti muito à vontade, não me senti exposta, conseguia me relacionar com a câmera de uma forma que eu não conseguia me relacionar com pessoas num teatro. Foi aí que minha professora recomendou que eu fizesse aulas de interpretação e, no meu primeiro mês, já passei pro “Mate-me Por Favor”, que foi o primeiro filme que eu fiz com a [diretora] Anita Rocha da Silveira. Ela estava procurando por pessoas em escolas, colou uma folha no lugar em que eu estudava e aí eu escrevi um e-mail falando “sou atriz, não tenho experiência, mas sou muito estudiosa e quero muito fazer esse filme. Sou muito empenhada, tenho certeza de que você vai me conhecer e vai gostar de mim”. Mandei as fotos que eu tirei na minha sala, porque eu não tinha um book. Ela me chamou e, de duzentas meninas, ela chegou nas quatro – e eu era uma dessas quatro meninas. 

Que legal! 

E no set eu me senti muito à vontade, não parecia que era a minha primeira experiência. Claro que eu não fazia a menor ideia do que estava fazendo, me lembro dessa sensação também. Mas eu lembro também da sensação de pertencimento, de encaixe. Fiquei muito intrigada com aquilo que eu não sabia fazer. Me lembro que, na nossa preparação, a preparadora dizia “não é isso! Não é teatral, mas também não é essa apatia”. Eu ficava “então o que é? O que é esse meio do caminho que essa mulher está falando?” e aí passei anos estudando atuação pra audiovisual, intrigada com esse meio do caminho que eu não conhecia.

Você consegue hoje viver 100% e pagar suas contas como atriz?

Sim! Tenho vivido só disso desde 2021. Tem uma orientação muito importante que eu tive ao longo desse caminho, que a gente não recebe nunca na vida, principalmente enquanto artista, porque a gente quase não trabalha, né? Mas, quando trabalha, se for um trabalho bom, a gente pode receber uma boa quantia de dinheiro. E eu adoro falar de dinheiro, tá? Porque ninguém fala sobre dinheiro. Principalmente enquanto artista. Pois eu fiz uma série, ganhei um bom dinheiro e me perguntaram: “você quer viver como artista ou quer viver como uma pessoa normal?” Esse dinheiro, se não tiver organização, ele vai acabar muito mais rápido. E eu escolhi viver como uma pessoa normal, porque eu era pobre e o meu maior medo é voltar a ser pobre. Então eu posso ganhar um milhão de reais que ainda sim eu vou me pagar mensalmente a quantia que escolhi de acordo com os meus gastos mensais. Eu sou a filha da Nath Finanças! (Risos) Eu sou das tabelas, sou da organização financeira. E todo, todo o meu gasto é anotado. 

Qual é seu signo? 

Eu sou de Gêmeos, não tem nada a ver, não tenho nada em Virgem, é o que mais me perguntam. (Risos) Quer dizer, eu tenho o meio do céu, mas não sei o que que isso significa!

Mas é isso, é difícil, mas é possível. Eu sinto muita falta de ter tido essa orientação no começo, mas a gente não recebe nunca, nem como “pessoa normal”, muito menos enquanto artista. Cometi muita burrice financeira. Eu saí de casa com 17 anos, que foi quando eu fui fazer “Malhação”, então eu já saí de casa pra pagar aluguel, porque eu queria morar na Zona Sul. Gastei muito dinheiro, joguei muito dinheiro fora e investi muito em mim também pra não ser injusta, meu primeiro salário foi todo embora em curso. Mas também comprei show, comprei um monte de coisa, um monte de vontade que eu queria suprir, mas senti muita falta dessa orientação financeira, por isso que, sempre que posso, falo sobre o assunto.

No seu trabalho como artista e como atriz, qual é o momento que te satisfaz mais? O momento que você mais ama?

Eu gosto muito da preparação. Principalmente preparações em que me peçam muita atividade extra. Em “Dois Tempos”, eu precisei fazer aula de equitação, de crochê, de tricô e de luta! Gosto muito de ter atividades físicas no meu dia a dia e, não sei por que, mas sempre aparecem coisas físicas pra eu fazer enquanto atriz, então estou sempre correndo muito, lutando, estou sempre gritando na rua… (Risos) Gosto muito da preparação e da caracterização, que é quando você vai vendo o personagem tomando forma. O momento em que você se veste, troca um cabelo pra ter um cabelo da personagem, nossa, é muito mágico, quase como apertar um botãozinho!

Estou muito animada para ver “Dois Tempos”! Você está sempre no núcleo do passado na história, né?

Sim! As personagens trocam de alma na história, não de corpo. Terminei de assistir hoje! Eu já tinha visto, mas terminei agora na televisão, vi uns episódios em inglês e em espanhol! Quando acabou, fiquei: “nossa, ai, obrigada, obrigada, obrigada, se eu não tivesse feito eu ia estar tão chateada, ainda bem que sou eu!” (Risos) As imagens são muito lúdicas, o Star+ é um canal da Disney, então tem a sua fantasia! Foi muito emocionante gravar no set e também foi emocionante assistir!

Eu imagino!

Várias coisas eu fazia e corria para o monitor pra ver o resultado e me emocionava. As pessoas perguntavam o que estava acontecendo e eu dizia: “nossa, assisto a pessoas fazendo isso e agora as pessoas vão me assistir nessa posição!”

Que demais. Que tenha mais temporadas e dê muito certo! Parabéns! Agora, falando sobre ambições… Você deseja ser uma referência? É uma ambição sua?

Hm… não passa muito pela minha cabeça, mas naturalmente recebo respostas assim. Porque é isso, por mais que seja uma coisa que você não faça com intenção, um corpo preto periférico, quando ele atravessa certos lugares, sem querer acaba virando essa referência de que é possível. Não de ser o maior, o melhor, mas de que é possível. Eu recebo muitos comentários falando “nossa, eu pegava o mesmo ônibus que você, eu também sou de Anchieta, então dá pra sair daqui?” Dá. Não quero ser referência como a maior, a melhor, a que chegou mais longe – apesar de eu querer chegar longe -, mas ser uma referência de possibilidades já me faz bem feliz. Do tipo: “Não se acomodem, tudo bem querer mais, pode sonhar!”

O que você tem vontade de fazer enquanto profissional a curto prazo? Onde você gostaria de estar daqui a três, quatro anos?

Eu tenho vontades muito específicas, tá? Quero muito fazer uma novela popular, uma novela que comunique. Eu faço cinema, faço audiovisual pra me comunicar, e aí quero muito fazer uma coisa popular que a minha vó entenda, que minha vó goste, que minha vó acompanhe. Essa coisa da comunicação em massa me cativa, me move muito! E quero demais fazer um filme de esporte, de luta, de atletismo… Também quero muito fazer um filme grande, que me leve para festivais de novo. Quero reviver essa maratona que é um festival. É muito legal. Eu aproveitei tanto! E quero muito dublar uma animação! Fui dubladora por uns dois, três anos quando eu tinha 17, 18 anos e fui muito feliz! Fiz muito reality, muita competição, mas animação eu ainda não consegui fazer. E… bom, quatro anos é bastante tempo, também quero muito fazer um trabalho internacional! (Risos)

Você acabou de tirar né uma fotografia três por quatro e pedem pra você se descrever, uma descrição física e também uma descrição para quem não te conhece. Como seria?

Eu sou uma mulher negra, estou com tranças no momento – que vão até quase o meu joelho -, são tranças na cor castanha, que também são a cor dos meus olhos. Tenho uma testa grande, da qual eu gosto muito, graças a Rihanna, e tenho um sorriso muito largo também. E pessoalmente, eu sou a Mariana, tenho vinte e cinco anos, sou geminiana, o que diz bastante sobre mim. Sou também atriz, me considero uma pessoa muito generosa, paciente, bem-humorada e muito disponível também!

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