Pedro Garcia de Moura

Pedro Garcia de Moura é um artista carioca. Criou o personagem Cartiê Bressão.

Como você define a sua profissão quando vai preencher algum questionário?
Sabe que pensei nisso hoje? Tenho um filhinho aqui de três anos e minha companheira é cantora. Agora, com o livro, o pequeno fica falando “o papai é fotógrafo, papai é escritor”, e eu pensei o que preencheria nesses formulários de aeroporto. Até falo disso no livro [“Emoção Criativa”, lançado recentemente] e é uma coisa que eu sinto, que tento me definir mais pelos projetos que faço do que por uma profissão. Acho que este caminho de quem faz universidade e tem que se colocar numa gaveta é um pouco limitador. Existe esse certo perigo em se definir.

Ser um criativo – alguém que sabe manusear a criatividade – não deve ser fácil. Apesar de te oferecer um monte de possibilidades, não deve ser fácil.

Tem uma reflexão que tenho feito no meu caso específico: quem não se limita a uma determinada definição ou rótulo vai tendo que construir a sua carreira de modo que o nome da pessoa traz uma determinada percepção do que ela faz. Desde Wagner Moura, que agora também virou diretor, Chico Buarque, que é escritor, existem vários artistas que a própria carreira vai ampliando a definição do que eles são e o nome deles acaba construindo uma marca.

Isso exige de você uma disposição para estudo e exercício incansável… Quando você se coloca no lugar de criar e de entender o  mundo como uma tela em branco para possibilidades artísticas, você tem que estar disposto a ter uma sede de conhecimentos infinita, né?

Sim, e te digo mais, porque toda essa minha busca – e a busca a qual tenho ajudado outros artistas, o que também, claro, me auxilia incrivelmente -, é sobre o seguinte: quanto mais conectado com a minha visão e as distorções da minha visão, menos esforço as coisas vão representando para mim. Esse estado incansável é o meu natural. Seria incansável estar sendo “não eu”.

Você para pra analisar o seu processo de criação? Eu sei que você tem o seu método e fala bastante sobre isso, sobre trazer as pessoas para um caminho de elaboração… Mas você para pra elaborar sobre o seu relacionamento com criação e criatividade?

Sim, acho que ter criado este método é um reflexo de uma característica de auto-observação que tenho. Eu lembro de um TED de uma cientista que foi descrevendo um derrame cerebral pelo qual ela passou, as partes do cérebro que iam falhando e o que aconteceu com percepção dela. Eu acho que há pessoas cujas características de auto-observação fazem parte da própria percepção. Acredito que tenho isso e acabo utilizando bastante. Muitos artistas chegam a lugares de fluxo e disponibilidade, só que, pelas minhas características, fui capaz de compartilhar o processo e ajudar outras pessoas a chegarem lá também. Outros artistas compartilham através da própria obra, eu, digamos assim, tenho uma característica de metalinguagem ou de análise da própria linguagem e aproveito para compartilhar este método.

Existe alguma forma de expressão artística – música, escrita, fotografia – enfim, que te puxe mais, que te atraia mais, ou isso varia ao longo do tempo e do momento em que você está?

Considero que a minha relação pessoal com criatividade vem de uma questão ligada a imaginação, uma coisa infantil. Dependendo de quem estou perto, do que estou trocando, do que estou lendo, às vezes faço umas combinações, sinto desejos de fazer com que o que está na minha cabeça saia dela. E quanto mais eu vou aprendendo a trocar, é como se cada pessoa com quem faço esse processo virasse uma impressora para as minhas ideias de certa maneira. A metáfora de impressora não é 100% precisa porque não é que eu penso e saio através da pessoa, mas sim ocorre uma troca, ela representa uma ferramenta com a qual posso me expressar. A partir do momento em que comecei a namorar a minha companheira, que é cantora, comecei a me reconectar com música e música passou a ser um lugar de expressão e materialização. Agora, com a escrita, abriu-se um novo portal. E também tenho roteiros de longa-metragem, histórias em quadrinhos…

Acho que a definição que eu gosto de arte é “expressão de um sentimento”. Considero que o meu expressar artístico é uma maneira de saber um pouco mais sobre mim mesmo, como num projeto como o Cartiê Bressão, que impacta bastante gente. Toda a perspectiva que as pessoas trazem vai revelando muita coisa sobre mim também. Funciona muito como um espelho. Eu considero que a cada obra que a pessoa faz, tipo este projeto de vocês, cria-se um reflexo daquele seu momento. É como se fosse um exame de sangue da sua alma que mostra naquele momento como ela está. Porque a partir do momento em que vira arte ou poesia, aquilo ali tem uma potência de significado infinita.

Você fala bastante sobre emoções e sentimentos no processo criativo. Queria saber se você já precisou se distanciar um pouco deles em algum processo que você conduziu, digo, trabalhar mais com racional e concreto na arte e se você acha que isso é possível.

Eu diria que é mais provável que o fluxo criativo esteja sendo travado pelo excesso de racionalização e de intelectualização do que o contrário. Às vezes é sobre reequilibrar o peso entre emoção e razão, sempre trazendo para materialização. Acho que existem pessoas que têm tendência mais intelectual e racional e pessoas que têm menos. Não quer dizer que uma seja melhor ou pior do que a outra. Quando qualquer uma das duas está em desequilíbrio é que buscamos equilibrar e isso sempre vai ser em função de prazer, de conforto, de menos sofrimento… Para mim é muito mais sobre encontrar as suas características, aceitar e deixar o fluxo livre, a expressão livre, o prazer, a segurança, o conforto e a diversão… do que algum tipo de regra. No meu caso é o que tem funcionado.

Desde o começo da pandemia, durante os processos das pessoas que acompanhou, você sentiu que elas estavam mais travadas ou que os terrenos estavam mais férteis?

Tem dois momentos. Observei um primeiro, com pessoas que mesmo sabendo e se interessando pelo que eu estava fazendo, ainda não sentiam que era a hora. A pandemia deu uma sacudida nas pessoas, claro. Eu tenho uma natureza muito autoinvestigativa, de querer cutucar e evoluir. Obviamente que tenho os meus medos, mas, para algumas pessoas, os medos justamente estão em se conhecer – e eu sinto que, na pandemia, algumas pessoas sentiram esse… digamos assim… “chamado” para encarar isso. Aí elas vieram e se abriram.

A minha sensação é de que a pandemia possibilitou as pessoas a serem páginas do próprio manual de instruções, por exemplo, eu que fui para o interior de Minas Gerais e pude entender como era na relação com a natureza, com ciclos, com o tempo, conhecendo os meus tempos de uma maneira que eu nunca teria tido oportunidade numa cidade grande. Hoje voltei para a cidade grande com uma consciência dos meus tempos internos que eu nunca tinha tido. Atualmente consigo entender determinadas coisas que estou sentindo. A gente foi privado de muitas coisas que tivemos que compensar de outras maneiras para ter um mínimo de nutrição da alma. Todo mundo aprendeu alguma coisa que é muito estruturante, alguma coisa que precisou fazer, seja em cultura, seja um exercício, seja leitura, então eu sinto que está todo mundo mais em contato consigo depois desse “sabaticão” que tivemos que tirar.

Como organizar tantos projetos ao mesmo tempo? Como conciliar e, principalmente, materializar, não deixar morrer? Ou você acha que tudo bem deixar projetos morrerem no meio do caminho a partir do momento em que a gente entende que deve deixá-los?

O primeiro ponto que você falou.. tudo bem deixar projetos morrerem. Eu acho que tem coisas que você faz agora, pausa e talvez retorne anos depois, sem problemáticas. Imagina, para mim, cada projeto é um relacionamento. Então você tem projetos abusivos assim como você tem relacionamentos abusivos. No meu caso, a minha relação com os meus projetos é como as minhas fotos com o Cartiê Bressão: eu estou andando e vejo uma cena interessante. Às vezes é uma cena que não tem como eu ficar parado, é como se cada foto que eu tirasse fosse uma paixão adolescente, uma micro paixão adolescente que acontece. Então eu desenvolvo com meus projetos uma intensidade de relacionamento. Vou, realizo, tiro de mim e aí depende… podemos continuar saindo ou ficar apenas bons amigos. (risos)

Mas eu gosto muito deste paralelo com a paixão… Acho que a criação é o lugar perfeito para a paixão existir, porque materializar um projeto quando você está apaixonado por aquela materialização, ah, aquilo vem com esse fator, com essa camada. Por isso que este meu processo, meu método, é sobre ir encontrando e conectando esses tesões e essas transformações, para ser uma mistura de choro, de felicidade, de tristeza, de prazer. Cada pessoa colocando para fora do jeito que consegue.

Fotos: Carolina Vianna | Entrevista: Fernanda Meirelles

DEZEMBRO DE 2021

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