Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna Retrato de Larissa Nunes para para o Três por Quatro Foto: Carolina Vianna
Olha, viver como artista no Brasil, nas condições em que vivo agora… Eu sinceramente considero um momento muito único. A minha carreira tem visto uma sequência de trabalhos, eu acabei fazendo muitas coisas e essas coisas estão prestes a ser lançadas. Estou com tudo em pós-produção, vou fazendo séries que sei que só vão aparecer daqui a um ano, mas, de maneira geral, tenho me sentido muito produtiva, intensamente inspirada e com esse desejo de entrar ainda mais no fluxo que a gente tem produzido, né? A retomada do Audiovisual, desde a pandemia, tem acontecido aos poucos, não é tão da maneira como a gente gostaria, mas sinto que estamos fazendo uma coisa muito legal e, ao mesmo tempo, muito inédita, principalmente para a pessoas que vieram de uma trajetória como a minha, uma trajetória periférica. Parece que as coisas estão começando a entrar no eixo e isso faz com que eu tenha uma sequência de personagens relevantes e protagonistas e ocupando lugar no streaming, principalmente. Acho que todo mundo está sentindo um desejo, uma vontade de produzir, de criar, de ter oportunidades, de ter protagonismos, seja na música, no cinema, nas novelas, todo mundo está com muito desejo de ocupar esses espaços. Eu faço parte dessa geração, né? Eu tenho 27 anos, faço parte de uma galera que está começando a dar o seu nome nesses espaços agora.
Larissa Nunes (São Paulo – SP) é atriz e cantora.
Como é que tem sido viver como artista no Brasil em 2023? Você está notando muita diferença dos quatro anos anteriores que tivemos para agora?
Você se formou na EAD, certo? [Escola de Artes Dramáticas da USP]
Isso, me formei em 2021. Foi muito intenso, muito nobre, muito bom. Acho que a EAD foi a grande consciência cultural da minha vivência como atriz, que me ocupou durante anos, uma dedicação total ao teatro. Foram dois anos fazendo teatro por fora até eu prestar em 2015, de primeira, e foi um grande susto, eu não sabia da dimensão da escola, de como era concorrida, eu sabia que era difícil, é da USP, mas eu não sabia que, no meu ano de inscrição, foram 500 pessoas para vinte vagas. E dessas vagas, eu entrei, e era a única atriz negra.
Ter vivências de teatro, de interpretação na EAD e também a oportunidade de fazer uma novela popular da Globo deve ser um misto muito bom de experiências para você.
Olha, acho que, dentro de uma vivência, existem várias dimensões. Porque a dimensão da escola de arte, da formação de um ator, ela não tem exatamente a intenção de nos preparar para uma indústria, para uma rotina como a de fazer uma novela na Globo, não tem, são dois caminhos muito diferentes e eles têm uma força complementar, não estão ali para colidir. Eu aprendi tanto na escola quanto gravando e lendo textos. São muitos entendimentos dentro de um período de oito meses. Você precisa ter noção de que o teatro é uma coisa e o audiovisual é outra – e não dá pra esperar o mesmo resultado, uma coisa só, a gente tem mais de mil exemplos de pessoas que são muito bem apropriadas da linguagem da TV e nunca fizeram teatro e pessoas que são muito apropriadas da linguagem do teatro e nunca fizeram TV. O que eles têm em comum, com certeza, é a disponibilidade de criação, de se entender dentro da própria linguagem.
Costurar a música e a interpretação têm funcionado?
Olha, a meta é sempre conciliar o tempo, né? O tempo não é meu inimigo, mas às vezes ele tenta ser. Hoje, eu vivo como atriz, e considero que é necessário ter tempo para o processo musical criativo acontecer – e o que aconteceu, o que tem acontecido, é que eu vivo oficialmente um hiato musical, não lanço coisas há algum tempo, lancei uma mixtape durante a pandemia e foi o meu último lançamento. Eu faço música sem a oficialidade dela, eu só preciso me permitir criar e expurgar aquilo que eu quero dizer naquele momento. Durante as gravações da novela [Além da Ilusão], entrei em contato com um grande amigo meu, produtor musical do Rio de Janeiro, o Gabriel Marinho, e ele produziu comigo algumas músicas enquanto eu gravava. Na verdade, foi a experiência mais maluca que eu já tive na minha vida porque, de dia, eu gravava umas quinze cenas. À noite eu ia gravar com ele e escrever músicas. E ele me perguntando “mulher, como é que você consegue? Você dorme, você come, você respira?”. Porque é sim uma rotina puxada, veja, eu não era nem protagonista da novela, o papel tinha uma importância, mas eu era uma coadjuvante e, mesmo assim, era muito difícil. Mas a minha grande vontade nesse momento é conseguir me apresentar como cantora sem ter que escolher se sou atriz ou cantora.
Pensando na sua vida, na sua trajetória, você consegue pensar num momento de virada de chave, em que você entendeu que era isso o que queria fazer?
Olha, alguns. Quando passei na EAD e vi o meu nome na lista, pensei “eu nasci pra isso – e é isso”. Tem vários momentos em que a gente sente que está fazendo a coisa certa – pra mim, agora, eles têm se dado no dia a dia, tipo a cada take que o diretor ou a diretora vem, me abraça, me elogia, ou quando eu me sinto à vontade fazendo uma escolha em cena que eu sei que é verdadeira… Verdadeira não é bem a palavra que eu gosto de usar, porque verdade e mentira, para um ator, são muito a ponta do iceberg de uma história, né? A gente sabe disso, acho que tem a ver com uma atuação viva e uma atuação que não está viva.
Mas voltando, precisamos começar a ritualizar e a ter esses insights todos os dias, porque eles são importantes para a nossa manutenção, para a gente se manter acreditando no nosso rolê. E precisamos desromantizar a ideia de que ser ator é uma coisa, sabe, uau, fora de outro mundo, uma iluminação poderosa, eu atingi o nirvana e é só acontece uma vez na vida – os milagres acontecem todos os dias. Você que precisa se condicionar a encontrar o seu milagre todos os dias.
Você sente que o espaço está maior para artistas pretos?
Eu ainda tinha na minha cabeça há pouco tempo essa idealização de “quando eu iria dar certo” até que comecei a assumir pra mim mesma que não importa se eu não sou o homem mais comentado no Twitter, ou se os meus amores não estão no radar das pessoas a ponto de elas conhecerem o meu namoro, na sequência conhecerem a minha carreira, na sequência conhecerem a minha mãe, na sequência conhecerem o meu cachorro, nada importa se isso tudo não estiver dizendo quem eu sou. Quando comecei a me apropriar da minha trajetória, senti mais firmeza no meu propósito e com mais desejo de ser atriz. Porque se apropriar daquilo que você sabe fazer, que você reconhece que sabe fazer, é algo que sempre foi tirado de pessoas pretas. Então eu entendo que a representatividade é muito importante, mas eu hoje não deixo de considerar que isso é um mercado, se tornou um mercado, e que a demanda vem de acordo com o que as pessoas querem assistir agora. Também é uma forma de as empresas se sentirem menos culpadas. É uma indústria que está acontecendo, sim, é uma grande gama de atores que a gente nunca viu antes, rostos novos ocupando espaços de destaque e tudo isso acontecendo, e tem a internet, que nos ajuda a criar essas essas histórias também, né? O que eu estou querendo dizer é que é possível agora ampliar os horizontes. Você precisa também se permitir sair dos lugares para os quais começam a levar a gente. Vamos só por esse nicho? Vamos virar um segmento? Segmento séries negras? Não, não quero séries negras, eu quero séries. Séries.
Entendo demais.
Dando um exemplo, a série que acabei de filmar e protagonizei, “Americana”, é uma série para o Star+ que vai contar a história de uma investigação de um crime que aconteceu no século 19 no Brasil na cidade de Americana, que recebeu os Confederados do Sul durante a guerra de independência dos Estados Unidos, um vereador aqui no Brasil concedeu um pedaço de terra pra essa galera vir. E então acontece esse crime nessa cidade e uma investigadora, preta, vai investigar juntamente com o seu investigador, sua dupla, e esse é o mote da história, é uma investigação criminal. Mas não é só isso, né? A gente acaba vivendo várias outras camadas, porque é uma série que ainda está falando de um período de escravidão. E qual é a condição que uma personagem como a minha tem durante essa época? Como ela é uma investigadora? É porque essa mulher foi criada por uma uma tutora que a tratava como uma garota branca, e essa mulher, a Sebastiana, a minha personagem, teve acesso a alfabetização, a vários conhecimentos e saberes que fizeram dela uma garota peculiar para a época. Quando eu li essa história, falei “gente, qual é, eu nunca vi nada parecido no Brasil em séries assim, eu nunca vi”, e não é porque eu estou fazendo, é porque eu realmente nunca vi! A gente não quer só falar sobre os mesmos assuntos, a gente precisa falar de outros assuntos. Contar outras histórias, criar outras coisas.
Você poderia se descrever para quem não te conhece e também para quem não pode te ver? Quem você é fisicamente e quem é a Larissa para além do físico?
Bom, eu sou uma mulher negra de 27 anos, de cabelos curtos, recém-pintados de marrom. Estou com dois fones de ouvido sem fio, agora estou numa livraria no centro de São Paulo, na Oscar Freire. Eu sou atriz, sou cantora, eu também escrevo. E sou brasileira. E, principalmente, sou uma mulher com muitas ideias e, agora, chegou o momento de poder compartilhá-las – e também de ouvir. É por isso que decidi ser atriz em 2023 no Brasil. E é assim que me defino por enquanto.
Fotos: Carolina Vianna | Entrevista: Fernanda Meirelles