Lucas Silveira é cantor, compositor, instrumentista, produtor, vocalista da banda Fresno e pai de Sky, de 6 meses.
Como aconteceu o seu primeiro contato com música?
A minha mãe era bem musical. Não trabalhava com isso nem nada, mas, a meu ver, era o bagulho mais normal do mundo. Ela estava sempre tocando violão, no teclado, cantando para mim ou para alguém. Então parecia que na casa de todas as pessoas também tinha um teclado aqui, um violão ali… Era um ambiente onde essa parada parecia tão normal quanto tomar café da manhã. Quando eu tinha uns 4 anos, tínhamos um órgão que parecia aqueles de igreja, mas era como um teclado velho, tipo um móvel bonito da casa. Quando aprendi a ligá-lo, nossa, eu ficava horas, tardes inteiras metendo uns ritmos ali, sabe? E a minha mãe não se importava! Acho que foi esse o começo. Teve o inicio mais musical, mesmo, também nessa fase, quando descobri que conseguia tocar as coisas de ouvido. Ouvia a melodia, ficava lá procurando, achava quais teclas eram aquelas e saía uma versão daquilo! Eu tinha uns quatro, cinco anos.
Caramba.
Ah, às vezes um menino que toca violino já é um monstro com cinco anos! Eu não era prodígio, isso nem foi trabalhado, mas para mim era natural ouvir o tom de um bagulho e saber qual era a nota. Eu não sabia que o nome da nota era “dó”, mas conseguia repeti-la. Quando juntei isso a saber tocar, foi aí que tudo começou. Mas eu já estava mais velho! Quando rolava algum trabalho no colégio a ver com música, eu era o primeiro a me envolver, mas nem era aquela criança musical: jogava futebol, brincava com bonequinhos… Não tinha o “hobby musical”, mas acho que, quando peguei o violão e aprendi a tocar, com uns 14 anos, comecei a ver que aquele ouvido que eu tinha servia para alguma coisa e que eu poderia, sabendo alguns acordes, acompanhar qualquer música que quisesse! Foi quando começou a noia musical, aquele momento em que o adolescente fica a tarde inteira tocando, até de noite. Eu jogava bola todo sábado de manhã, fazia outras coisas e de repente virou só o “quero ter uma banda, quero tocar com os meus outros amigos que tocam”. Como desde bem cedo outros caras da minha turma também estavam nessa, montamos uma banda para ficar tocando de final de semana. E essa banda virou parte do que é a Fresno hoje.
Você chegou a exercer outra profissão que não estivesse relacionada com música em algum momento da sua vida?
Que não estivesse relacionada eu não tive. Fiz um curso de Webdesign porque queria fazer o site da minha banda. Aí comecei a trabalhar com isso. Também fiz Publicidade e no começo eu até queria exercer, mas, para mim, o curso só servia pra eu conhecer uma galera legal, fazer shows na faculdade, aprender coisas que eu fosse usar na minha carreira… Isso que, na época, nem existia um plano de que a banda fosse virar a minha profissão. Então, na Publicidade, eu pensava em trabalhar em uma produtora fazendo jingles publicitários, algo assim! A primeira vez que a minha voz tocou nas rádios foi em um jingle de um cinema e eu ficava falando “olha aqui, sou eu!”. (risos) Estes foram os meus trabalhos, que ficaram muito de escanteio com relação ao lance de tocar. Mas foi bem natural: entrei na faculdade em 2001, a banda começou a querer gravar alguma coisa em 2002, já tinha uma demo circulando no underground, em 2003 a gente já vinha tocar em São Paulo… Em 2004, a Fresno já era conhecida como um fenômeno de internet, de Orkut. (risos)
Deu certo rápido, né?
É, mas era um “certo” em uma dimensão minúscula, que era a internet de 2004 – mas que tinha uma força bizarra. Era a internet 1.0! Bom, eu não tinha terminado a faculdade e não me lembro de pensar que aquele era o meu trampo, tanto é que começamos a pegar cachê pra gente muito mais tarde! Ao mesmo tempo, sou de classe média, estudava em faculdade federal [do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre], não pagava, então a vida meio que jogou para que eu não precisasse trabalhar! Eu estagiava e fazia as coisas da faculdade, que eu nem terminei porque, de 2013 em diante, já estava desencanado e comecei a fazer só as aulas que queria fazer! O ciclo de fotografia, cheio de extensões, aí um lance de vídeo…
Você nasceu lá em Porto Alegre?
Eu nasci em Fortaleza, mas meus pais foram para o Sul quando eu era do tamanho da Sky e fui criado em Porto Alegre. Tenho família em Fortaleza, que a gente visitava quase todo ano, mas a minha criação é bem de gaúcho.
Você me contou como começou. Tem alguma ideia sobre como gostaria de “terminar”?
Essa pergunta… Bah. (risos) A gente lida com um negócio em que a matéria-prima é o quê? Nada. A tua matéria-prima é viver, as músicas já estão todas aí, todas as combinações possíveis, só tem que pescar, ser uma pessoa que está sempre inspirada, feliz ou triste. Você tem que estar sempre vivendo a vida, senão tu perde a conexão. Eu acho difícil me ver fazendo algo muito diferente disso – por exemplo, a banda tem 16 anos! E a gente quer ser aquela banda de velhos que tocam, sabe. (risos)
Claro, quero ter a minha vida, ter um trabalho, que é tocar, e conseguir manter isso pra sempre e ir expandindo, porque vejo muito que a música sempre vai existir – e o cara que é artista, que é músico, sempre vai trabalhar se continuar tendo ideias. Hoje em dia eu já produzo outros artistas, que é uma maneira de devolver um pouco e falar para as pessoas coisas que não falaram para mim. Não dá para ter orgulho do tanto que você se fodeu, tipo, a gente se fodeu, mas aprendemos várias coisas e de um jeito que fixou muito nas nossas cabeças. Mas é importante às vezes alguém te dizer.
O que o Lucas produtor diria para o Lucas no começo da carreira?
Eu meio que fiz isso, mas nunca é demais falar: seja intransigentemente fiel ao que tu acredita. Se está estranho, se tu está se sentindo esquisito com alguma coisa da proposta, é porque está errado! Quando a gente trabalha com música, nos comunicamos com as pessoas de uma maneira profunda. Ao mesmo tempo, está tocando em todos os lugares. A música permeia os momentos das nossas vidas, é um negócio tão foda que tu responde por aquilo que tu lança ou faz pelo resto da vida! E supondo que tua banda comece a dar certo, a ter trabalho, tu entra em uma gravadora e muitas pessoas vão falar sobre o que é “certo” para ti. Só que, se der errado, a vida deles continua, a tua não. Meu, intransigência é sempre importante e, claro, o básico que não precisa nem ser dito: evolua sempre.
O que você escolheria hoje, neste momento da sua vida: uma banda com muitos gritos e muitos olhares em cima e um pouco engessada por conta disso, com pouco espaço para criar, ou uma banda que passe um pouco mais de perrengue, que não tenha muito dinheiro, mas que tenha mais espaço parar criar?
Bandas que estão em “território médio”, meio que no underground, são bandas que podem falar “galera, vamos ter trabalhos de escritório e a banda virará meio que uma diversão, mas a gente vai fazer absolutamente o que quiser”. Às vezes acaba dando certo por causa disso, sabe? É foda cara, mas tem que achar a paz no meio do caminho, mesmo na nossa história: a gente pegou um momento em que era possível ter uma superexposição. Hoje em dia, mesmo se alguém for muito exposto, a minha avó não vai saber quem é. Já era aquilo de quando passava no Fantástico e, no dia seguinte, o Brasil inteiro falava só sobre aquele assunto. Não é mais assim, então democratiza. Acho que os artistas de estádio estão entrando em extinção, sabe? Está difícil fabricar pessoas que lotem estádios hoje em dia porque, como eu disse, a máquina que fabrica estes artistas está segmentada! Quando um estádio de 100 mil pessoas se transformar em 100 casas de mil pessoas, poxa, já é um absurdo tu conseguir tirar esse tanto de gente de casa para ir lá e dar dinheiro para ver o que tu quer fazer… Esse é o começo de uma democratização e eu acho isso do caralho! Acho que a tendência é que cada vez mais o que vai se valorizar é o quão diferente tu sabe ser, né? Com todos esses segmentos, as pessoas conseguem prosperar sendo de verdade.
Você consegue pensar em duas músicas que queria muito que fossem suas?
Nossa, tem várias. “Índios”, do Renato Russo. Eu acho que ele chegou a um nível brutal e, nos anos 80, no momento que o Brasil estava vivendo, emplacar uma música que o Brasil inteiro conhecia… E que, talvez por o país todo conhecer, as pessoas quase não prestavam atenção no que ela falava. Bah, é uma discussão que permanece muito atual e que vai continuar assim eternamente, é a sacada que ele teve, acho do caralho! E tem um cara de quem eu gosto muito, que é o Freddie Mercury, e ele fez “Bohemian Rhapsody”. Meu, daqui a seis meses a Sky vai estar pulando por causa dessa música, ninguém fica imune a ela! E a história por trás dela é um absurdo, ele falou “então, fiz uma música, é uma ópera, é rock, dura tantos minutos…” Naquela época, as gravadoras já estavam começando com o “ah, mas não, tem que ser mais rock, mais não sei o quê” e o Freddie Mercury é o cara que há muito tempo já desafiava todas as coisas que ainda hoje são tabu!
Uma colaboração que te deixou com lágrimas nos olhos e uma que te deixaria muito emocionado.
Um momento bem foda na nossa carreira, que não foi ideia nossa, foi o Estúdio Coca-Cola, que ficava misturando artistas. Sempre tinha que ser um “high-low”, no sentido de algo bem popular com um nome mais novo, jovem, alternativo. Aí misturaram Fresno com Chitãozinho & Xororó! Eles propuseram isso pra gente com medo de que fôssemos negar, só que, no caso, isso seria impossível, porque eles são um pedaço da cultura do Brasil, não tem essa de gostar ou não gostar! Então foram ver a abertura deles com relação à nossa música. Pô, foi tudo um lance comercial, mas o que rolou ali… Eu lembro que, quando entrei no estúdio e os vi fazendo o arranjo de uma música que eu tinha feito, a “Duas Lágrimas”, que no arranjo da Fresno era um punk rock triste, (risos) que era o que a gente fazia, pensei: “nossa, essa música é uma moda de viola, eu que tocava errado!”. Lembro que a gente começou a chorar quando entrou no estúdio e viu a galera tocando e eles cantando, tanto é que eles gravaram no disco deles esta música depois! Já nem tinha mais nada a ver com a Coca-Cola, eles gostaram da música e quiseram gravar uma faixa de uma banda de rock de Porto Alegre, de caras que tinham 2o e poucos anos na época… Isso foi animal, são aqueles momentos da vida em que você se dá conta de que o negócio ficou grande! Foi uma viagem! Vai fazer 10 anos isso. A gente quer fazer um show. (risos) Foi em 2008 e tudo que faz 10 anos merece reunion! A gente vai fazer certo, tem que fazer!
E você pensa em alguém com quem gostaria muito de tocar?
Eu queria fazer um lance com o Caetano Veloso, que eu acho, dos caras vivos, o mais foda do Brasil. É o cara que poderia não fazer mais nada há 40 anos, mas continua e ainda faz um negócio muito animal! E pela receptividade, pela maneira como ele ouve música atual, ia ser um bagulho muito louco!
Qual é a maior dor e a maior delícia de ser um artista?
Acho que a maior dor de tu ser um artista – mas, sendo mais amplo, a maior dor de tu saber exatamente o que quer da tua vida, é que não tem como fugir. Isso é um atalho pra tu virar uma pessoa extremamente egoísta. Como sabe o que quer, só vai fazer aquele negócio, às vezes não enxergando o que está ao teu redor – ou as pessoas – e, por isso, essa paixão sozinha não te leva a lugar nenhum. Pra que serve o que tu quer? Se não serve para nada, nem faz, sabe. E aí vem a parte da delícia, que é justamente quando tu começa a entender o que tem nas mãos e quando aprende e continua aprendendo a se expressar. Tu começa a virar essa pessoa que entende o poder político que tem, não no sentido de Política – até dá, se quiser direcionar pra esse lado -, mas entende o quanto é possível conversar com as pessoas. Se tu falou um bagulho que para ti fazia muito sentido, que era muito de verdade, e alguma pessoa teve uma identificação profunda, pô, tu tem amigos por aí, tem uma conversa acontecendo, é o poder conectador da música. E isso é um absurdo!
Fotos: Carolina Vianna Entrevista: Fernanda Meirelles
JULHO DE 2016