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Emerson Rocha

Emerson Rocha (São Paulo, SP) é artista visual, crítico e curador.

Falar sobre o seu povo, fazer arte sobre o seu povo… Desde quando você soube que seria assim, que a sua arte seria sobre a sua gente? 

Eu acredito que foi uma uma espécie de processo, na verdade. Porque são vivências que a gente tem diariamente, relações que acontecem de forma natural, mas trazer isso para a arte é uma coisa mais recente na verdade, vai muito da questão de descolonizar um pouco os pensamentos, de começar a perceber quais temas são mais importantes, o que é mais urgente de ser dito em relação às coisas em que acredito. Acabou sendo um processo de autoconhecimento trabalhar esses temas. A partir do momento em que comecei a me conhecer melhor, passei a entender a importância deles. 

Você tem uma memória de quando sentiu que esse era o seu lance, que você trabalharia com arte? Teve um momento de virada de chave? 

Teve. Até setembro de 2021, eu estava trabalhando em um emprego de TI. Eu caí de meio de paraquedas lá. Era época de pandemia caminhando para o final. Digo que caí de paraquedas porque estava sentindo que eu precisava começar um emprego fixo. A gente tem essa coisa de que, ai, carteira assinada é garantia de estabilidade perante a sociedade… Fiquei um mês e falei “não, não é pra mim, não aguento” e acho que foi nessa nesse período que tive essa virada de chave, porque eu já era já era formado em artes, sou formado em História da Arte. Já tinha vivência, experiência no ramo, mas não pensava em me profissionalizar nesse sentido. Aí foi tipo um estopim pra mim, entendi que essa rotina de escritório ou qualquer coisa que não fosse relacionada a arte não faria sentido. Em outubro de 2021, decidi: “Vou focar no que sou bom em fazer e no que gosto de fazer. Que é arte.” E a partir daí eu comecei sem muita pretensão, na verdade, porque sempre gostei de produzir, né? Sempre gostei de desenhar, de pesquisar. Eu fazia sem pretensão comercial no começo, mas aí fui começando a ter visibilidade, passei a usar o Instagram como forma de divulgação principal… E, através da visibilidade, vieram as encomendas. Comecei a produzir mais, a pesquisar mais, a melhorar os materiais, a refinar um pouco a pesquisa e estamos aí até hoje, colhendo os frutos deste ato de coragem. Tem que ser muito corajoso. É muito bom quando dá certo. E é muito frustrante quando não dá e você tem que trabalhar fazendo outra coisa no horário comercial.

E essa é a realidade da maioria dos artistas com os quais convivo, por exemplo. Me entristece. É por isso que a sua trajetória é uma lufada de ar fresco, porque é muito legal ver que dá pra ganhar notoriedade. O seu trabalho, a sua história, a sua vivência, quem você é, a cor da tua pele, isso tudo compõe, tudo te constrói e eu fico feliz de te ver dando certo.

É importante que eu me mantenha fiel. Foi uma coisa que tive em mente desde o início: me manter fiel ao que acredito, trabalhar com o que fizesse sentido para mim nesse meio. Autenticidade é muito importante nesse meio. Essa parte de identificação acaba sendo só a ponta do iceberg, sabe? Tem a identificação, que traz a visibilidade, que então traz o retorno financeiro – então acaba sendo só uma ponta do iceberg do processo, porque, pra mim, o mais importante é me manter fiel àquilo em que acredito e que quero compartilhar com as pessoas. Porque ali sou eu. 

Como que você se relaciona com o real na sua vida e na sua arte? Você procura retratar o real? É um pilar do seu trabalho, mesmo?

É, sim. Acho importante buscar inspiração na realidade porque são as coisas que estou vivendo. Uma pergunta que permeia muito os meus processos ultimamente é “o que é Brasil?”. Vou em busca de referências relacionadas a isso, o que é tido como ser brasileiro, uma ideia de Brasil que não seja tão estereotipada, sabe? Busco as respostas muitas vezes no meu próprio cotidiano, na minha própria vivência. 

Ainda sobre processo criativo, o quanto você sente que consegue se aproximar de outras realidades pretas para criar? 

Nossa, é até engraçado, porque eu recebo relatos de pessoas de diversas partes do país falando que se sentem representados por aquilo que estou entregando para o mundo. E isso me deixa feliz, porque,na verdade, não é uma uma coisa que eu vejo como intencional, sabe? São, como eu disse, vivências que estão ali sendo colocadas no mundo, e a identificação vem de uma forma muito natural. Recebo isso principalmente do Rio de Janeiro. E muita gente acha que eu sou de lá! Porque tem essa identidade visual, essas referenciações que eu trago e que dizem muito a respeito das rotinas cariocas, né? Recebo muitas mensagens assim do Rio, falando “me lembrou demais da minha infância, das brincadeiras que a gente fazia quando era mais novo”, ou essa vivência do bar, por exemplo, da cerveja no domingo, então acredito que eu alcance tipo diferentes grupos, sim. 

Você tem a intenção de ser um porta-voz, uma referência, um desbravador? 

Essa questão de desbravamento é interessante, mas é um pouco perigosa. Isso de ser “porta-voz” veio da entrevista que eu dei para a Vogue. Eles meio que me colocaram como porta-voz da parte artística da geração Z. E é um pouco limitante eu diria, porque é porta-voz, mas porta-voz de que voz? A gente é tão múltiplo, tão diverso. Eu não diria que que me vejo assim, acredito que eu seja só um humano de uma árvore gigantesca que tem raízes muito profundas. Me vejo como um desbravador no sentido da coragem – que é o que a gente chegou a comentar – eu acho que sou muito corajoso por ir lá e fazer sem medo. 

Você consegue viver integralmente como artista hoje? 

Consigo. E é muito bom poder dizer isso, porque quando a gente começa, nunca tem certeza se vai dar certo ou não, a gente só vai na força e na coragem. Mas eu tenho tenho conseguido me manter de uma forma muito saudável e produtiva, bem gratificante. Além disso, não é que consigo apenas me manter, mas dá pra manter a família também, fazer coisas que gosto, comprar algo se eu quero… É muito gratificante poder viver daquilo que você ama e ainda assim tentar manter o trabalho de uma forma saudável, sem virar uma cadeia de produção, que é uma coisa que me aterroriza. Eu já comecei com a ideia de que não seria uma indústria, uma máquina, eu não iria no “tem que funcionar”, não. Tem que rolar naturalmente. 

O que você quer muito ter ou estar fazendo a curto prazo, daqui a três, quatro anos?

Quero um espaço pra mim. Tenho focado muito nisso, estou juntando umas verbas aí inclusive, porque isso me limita de certa forma na questão de produção. Produzir trabalhos maiores, por exemplo, ainda não consigo, porque o meu ateliê é o meu quarto. É uma mesa no meu quarto. Me vejo no meu espaço, produzindo e dando continuidade a essa pesquisa, e acho que ela é tão ampla que não vai ser uma coisa pontual, não me vejo parando. Até estava conversando com um amigo há um tempo e ele perguntou se em algum momento eu me via parando de trabalhar com azul ou com essas cores mais características que eu uso – e falei que não. Acredito que é algo que vai perdurar por muito mais tempo, porque é tão amplo! Principalmente porque eu não vou parar e a gente não vai parar de ter essas vivências, daqui a dois ou três anos elas vão evoluir da forma que eu vou evoluir também. Então eu me vejo no meu próprio espaço, continuando, produzindo… e com mais dinheiro também, né? Porque dinheiro é sempre bom. (Risos)

Por fim, como você se descreveria para quem não pode te ver e para quem não te conhece? Quem e como você é? O que você faz?

Eu gosto desse tipo de exercício. Me chamo Emerson Rocha, sou artista visual contemporâneo brasileiro. Sou preto, bissexual, tenho 1,91m, cabelos lisos, curtos, tenho barba, tenho pele oleosa, inclusive faço uma rotina de skincare (risos), trabalho muito com azul, com preto, com dourado, com branco. Gosto de viajar, de culinária, de cinema, gosto de música, sou movido a música, inclusive. Gosto muito de história, de arte, de ciência, gosto do surreal também, sou muito imaginativo, gosto do céu, de olhar as estrelas, gosto dos planetas. Resumidamente é isso. Esse sou eu.